Heranças
Deve estar ainda quente, no seio dos leitores, aquela doce impressão das incríveis somas recebidas por ocasião do Natal; deve estar ainda. Nós publicamos. Não escondemos. Pois bem, Naufragados em tamanha fartura, tivemos ainda, naquela temporada, duas cartas amigas, aonde se dava notícia de duas grandes heranças e se perguntava qual o nome a figurar no testamento. Como estas, mais outras, na roda do ano. De acordo. Aonde não há sucessão, tem de haver um herdeiro; mas nós não. Nós não podemos ser chamados. Não falta quem.
Uma das heranças oferecida, pelo seu volume, causaria a ruína da nossa Casa! Aonde o mal?...Eu digo:
Ontem fui ao Porto mais o Abel. Descemos a Rua das Flores, a caminho do Infante. Ao fim, perto do Largo de São Domingos, era uma rapariga sentada no degrau de um portal, cara doente e mão estendida. Passámos. No regresso fizemos o mesmo caminho, agora pelo lado oposto. Reparei. Ela estava. Tão perturbada, tão aflita, tão sozinha que não tive mão em mim e aproximei-me. O que eu vi! O que eu escutei! Em frente é a Misericórdia; mesmo em frente. Não houve uma ambulância, não houve médico. Ninguém se afligiu. Não há ali irmãos, são funcionários.
Ele é verdade, que dentro, na galeria dos benfeitores, há centenas deles pintados a óleo. Estão ali as maiores fortunas. A maior nobreza. A recta intenção. A piedade. É meio Portugal - e nada! Porquê? Por causa da Secretaria.
Ora nós podemos fugir a ela e não há outro caminho senão fugir às heranças. Quem tiver ouvidos de ouvir que ouça.
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